De pé no chão é um disco fundamental para a história da música brasileira, a certidão de nascimento do movimento que ficou conhecido como pagode carioca. O samba, surgido no início do século XX com os bambas do Estácio, sofreu uma marcante transformação quando, em 1978, Beth Carvalho trouxe do subúrbio um suingue diferente para embalar seu décimo primeiro álbum. Em mais um volume da coleção O Livro do Disco, o jornalista, escritor e roteirista Leonardo Bruno narra das lendárias rodas de samba do Cacique de Ramos aos desafios das gravações em estúdio de uma obra que dividiu águas e rompeu barreiras. Pois De pé no chão, repleto de faixas antológicas como "Vou festejar", "Goiabada cascão" e "Agoniza, mas não morre", vai muito além de ilustrar a trajetória de Beth Carvalho. Esta é também a história do pagode como movimento cultural - que, segundo o pesquisador Nei Lopes, "tem o mesmo peso da revolução da bossa nova". Documento precioso para quem quer entender a segunda metade do "século do samba", o LP De pé no chão abriu uma porta para a reinvenção do gênero - e foi dela que saíram Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo de Quintal, Jovelina Pérola Negra, Almir Guineto e muitos outros. Depois desse disco, nunca mais se batucou do mesmo jeito. Trecho: "Um detalhe sobre o Cacique de Ramos ajuda a ilustrar quanto a presença feminina era rara naquele ambiente. Quando Beth começou a frequentar as rodas, não havia banheiro para mulheres no terreiro - todos usavam o mesmo espaço, que ficava num cantinho do salão principal. Ela então insistiu para que fosse construído um toalete feminino. Bira Presidente acatou a sugestão, mandou erguer um novo reservado e quis dar ao local o nome de ‘banheiro Beth Carvalho’. A cantora ficou feliz com a novidade, mas preferiu recusar a ‘homenagem’. Mesmo Beth Carvalho afirmando não ter sentido a pressão do ambiente machista, há de se celebrar o feito dessa mulher que não se cansou de quebrar barreiras ao longo de sua carreira. Conseguir entrar numa roda daquelas, composta exclusivamente por homens, se enturmar com eles e ainda estabelecer uma relação de confiança não era fácil. Ainda mais se considerarmos que ela ocupava uma posição de liderança, por ser a artista consagrada, que poderia proporcionar a eles alguma visibilidade. Para se ter uma noção da solidão da mulher na indústria fonográfica e no meio do samba naquela época, o disco De pé no chão traz apenas homens entre os músicos e profissionais de estúdio: são mais de sessenta nomes masculinos registrados no encarte. Já as mulheres só têm vez no coro e na ambientação. Coincidência ou não, o disco seguinte da cantora - No pagode, de 1979 - é dedicado às pioneiras do samba, numa exaltação à força feminina."