Em seu romance de estreia, a escritora sergipana Camilla Canuto, de 26 anos, questiona o papel da mulher ao mesmo tempo que narra a rotina de uma família marcada pela incomunicabilidade. Uma série de eventos interconectados, que acontecem sem nem sempre nos darmos conta ou os termos escolhido inteiramente – assim pode ser o contínuo da vida, especialmente àqueles impedidos de viver em sua máxima potência, livremente. Assim é, ao menos, para Adelaide, uma mulher cotidianamente cerceada pelo marido e incompreendida pela filha, e uma das personagens centrais do livro Há uma lápide com o seu nome. Neste romance conciso e arrebatador, acompanhamos o desenrolar do dia a dia de uma família – notando os excessos e faltas do pai, a amargura da mãe, o ressentimento da filha –, em um ambiente de constrição constante, que resulta em vidas sem espaço para o contentamento. É neste farfalhar das cortinas da intimidade que a sergipana Camilla Canuto lança seu livro de estreia, que sai agora pela editora Oficina Raquel. Aos 26 anos, Canuto costura uma história delicada, comovente e repleta de episódios que povoam as realidades familiares, sem retratá-las como lugares-comuns. Adelaide, mãe de Alice e esposa de João, papéis que parecem consumi-la por completo, ocupa um lugar comumente direcionado às mulheres no espaço familiar: o de resignação, apagamento, renúncia e, não raro, violências. E, já no início da obra, compreendemos o acontecimento que junta o destino desses três personagens: uma gravidez indesejada. Antes de completar quinze anos de idade, Adelaide revela a João que está à espera de um filho seu; já nas primeiras linhas do romance, damo-nos conta de que João não deseja que a criança venha ao mundo, mas, a despeito de tudo, nasce Alice. Cresce em meio a uma configuração familiar em que impera não o amor, mas sim a negação das singularidades da mãe, as ausências e exigências do pai, um sujeito violento, e as mágoas próprias de Alice, causadas pela sensação de não ser apreciada pela mãe. De sua parte, Adelaide não raro expõe o vazio da própria existência – apesar de, ainda assim, preparar todos os dias a comida do marido, passar suas roupas, manter a limpeza da casa e efetuar as mais variadas tarefas domésticas. Sentindo-se culpada pela infelicidade da mãe, Alice vai se tornando cada vez mais ressentida, calada e alheia, parecendo encontrar apenas no companheiro, Júlio César, afeto e alegria. Em uma narrativa emocionante e permeada de pequenos segredos, Canuto constrói uma obra que perpassa passagens marcantes da vida dos personagens que conduzem o livro, dando ênfase à solidão de Adelaide, sua desumanização e descontentamento. Ademais, por meio de um narrador atento aos fatos, Canuto descortina dinâmicas familiares dolorosas, que reforçam o papel social das mulheres e que as impedem de, tantas vezes, viverem suas vidas plenamente. Nesse ambiente claustrofóbico, de silêncios e incomunicabilidade, mãe e filha se desencontram, sem a possibilidade de criarem uma relação contundente. No avançar do livro, vê-se que Canuto cultiva a habilidade de (ao contrário de seus personagens) comunicar questões retumbantes de maneira íntima, em um texto pungente, coeso e marcado pela honestidade. Dessa maneira, ao observar o desenrolar da história, o leitor tem a chance de escutar as advertências silenciosas dos personagens, que parecem sempre à espera de recuperar a própria vida, para então existir totalmente. Em Há uma lápide com o seu nome, tudo está por sobre a mesa, e, ainda assim, corre-se o risco de alguém se acidentar. -- por Camilla Canuto (Autor)